quinta-feira, 8 de dezembro de 2016

122 ANOS DE FAZ DE CONTA E A MAGIA DA ILUSÃO

A plateia estava lotada naquela noite no Grand Café de Paris e todos se assustaram com o que viram, embora os presentes soubessem que a cena não era real, que não se tratava de um trem de verdade, e nisso consistia a grande novidade: a ilusão de que  o que se passava na tela era verdadeiro. Estava criado o mundo do faz de conta, no qual, durante um curto espaço de tempo, tudo era possível. Desde então, é quase impossível descrever a quantidade de sensações que o cinema despertou e ainda hoje desperta no público: alegria, dor, compaixão e, mesmo tendo por objetivo o entretenimento, o cinema muitas vezes levou o homem à reflexão sobre si mesmo ou sobre a humanidade.
         
Isso aconteceu no dia 28 de dezembro de 1895, quando foi apresentada pela primeira vez a mais recente invenção dos irmãos Louis e Auguste Lumière: o cinematógrafo. O objeto que foi apresentado mostrava a imagem de um trem que, aos poucos, chegava à estação e tomava conta da tela inteira. Hoje, essa cena clássica faz parte de todos os documentários sobre a história do cinema.

O cinema surgiu na Europa, mas foi nos Estados Unidos que a história desse meio de projeção se desenvolveu. Vinte anos após a primeira exibição do cinematógrafo, Hollywood já produzia uma de suas grandes obras-primas: “O Nascimento de uma Nação”, do diretor D.W. Griffith, que filmaria, logo em seguida, outro clássico do cinema, “Intolerância”. Em 1927, outra novidade surgia nas telas: o som. O marco ocorreu com o filme “O Cantor de Jazz”, que tinha Al Jolson no elenco. Estreou na noite de 6 de outubro daquele ano e recebeu - junto ao “O Circo”, de Charlie Chaplin -, o Oscar na categoria de filmes especiais.

Assim, tinha início a era de ouro de Hollywood, com suas divas e diretores geniais, como Frank Capra, que iria realizar uma série de filmes bem intencionados e otimistas, feitos sob medida para combater a depressão econômica que os Estados Unidos viviam, cuja mensagem não envelhece jamais e até hoje comovem os fãs da sétima arte no mundo todo.

Ao falar sobre a época de ouro do cinema, alguns marcos não podem ser esquecidos. O ano de 1939 é um deles, considerado um dos mais brilhantes de sua história. Foram filmados, naquele ano, a superprodução “...E o Vento Levou”, com Vivian Leigh; “No Tempo das Diligências”, com John Wayne e direção de John Ford; “Ninotchka”, com Greta Garbo dirigida por Ernst Lubitsch, o mestre da comédia sofisticada; “O Morro dos Ventos Uivantes”, com Laurence Olivier e direção de William Wyler, entre tantos outros. Na França, Jean Renoir filmava seu clássico “Regra do Jogo”.

Na década de 1940, apesar da Segunda Guerra Mundial, Hollywood continuava com a sua produção de clássicos. Podemos destacar “As Vinhas da Ira”, de John Ford, com Henry Fonda; “Cidadão Kane”, com Orson Welles, considerado por muitos o melhor filme de todos os tempos, e “Casablanca”, o predileto de quase todo cinéfilo, com seu elenco impecável e a inesquecível música-tema: “As Time Goes By”.


A GUERRA - Com o início da guerra, a Europa foi atingida no cinema de forma brutal, modificando radicalmente sua estética e linguagem. Já não era possível fabricar sonhos diante da tragédia que o homem provocava a si mesmo. Era preciso analisar de maneira crítica a sociedade que causara tal ruína. O cinema assumiu, assim, outro papel, o de mostrar e discutir a realidade do pós-guerra. Surge na Itália, em 1945, o chamado movimento neorrealista, com o filme “Roma Cidade Aberta”, de Roberto Rossellini.

Na década de 1950, a onda de realismo no cinema transferiu seu centro da Itália para a França, e a temática deixou de ser rural e social para ser urbana e existencial. A sétima arte passou a pensar a sensação de vazio que nasceu no espírito humano ao constatar as atrocidades cometidas pelo homem durante a guerra.

Essa década foi muito produtiva. Foram feitos filmes referentes à mitologia grega, como "Hércules", "Maciste", "Os Filhos do Trovão", protagonizados por Giuliano Gemma, que mais tarde se destacaria com o filme “O Dólar Furado”. Também foram executados filmes históricos, como “Manto Sagrado” e “Helena de Tróia”, com Rossana Podestà e Jacques Sernas. Nessa produção, uma artista morena em início de carreira fez ponta como escrava da Helena de Tróia. Mais tarde, se tornaria uma estrela de ponta, seu nome era Brigitte Bardot.

Nessa mesma década surgiram os estúdios de Walt Disney, que se especializou em filmes para crianças, mas também muito apreciados pelos adultos. Montou o Parque da Disney, na Califórnia (Estados Unidos), e, bem mais tarde, construiu uma réplica em Orlando, na Flórida, um sucesso até hoje. Foram montados também outros parques similares, como em Paris (França), e um na China.

A partir de 1959, com o filme “Acossado”, houve uma ruptura da linguagem cinematográfica, que nos influencia até os dias atuais. Jean-Luc Godard realizou essa película a partir da história de François Truffaut. Era o nascimento da “nouvelle vague”. Já no Brasil, surgia o Cinema Novo, com o filme de Nelson Pereira dos Santos, “Rio, 40 Graus”, em 1955. Nessa mesma época, também é lançado “São Paulo, Sociedade Anônima", ambos sucesso de bilheteria.

Na década de 1970, ocorria outro momento de intensa criatividade, desta vez nos Estados Unidos. Surgia uma figura importantíssima: Steven Spielberg, que rodou, entre tantas películas, “Contatos Imediatos de Terceiro Grau”, “E.T. – O Extraterrestre”, "A Lista de Schindler, “Os Caçadores da Arca Perdida”, “Tubarão”, “O Resgate do Soldado Ryan”, “Indiana Jones e a Última Cruzada”, “Munique”, “Jurassic Park – Parque dos Dinossauros”, “Encurralado”, “Império do Sol”, "Prenda-me se for Capaz”, “A Cor Púrpura”, “Indiana Jones e o Templo da Perdição”, "Minority Report – A Nova Lei” e “Lincoln”.  Surge também o produtor George Lucas, com “Guerra nas Estrelas”, “Star Wars: Episódio IV”, “Loucuras de Verão”, recuperando o espírito de emoção e aventura nas telas e arrecadando milhões de dólares nas bilheterias. Também aparece uma nova linguagem no cinema e os recursos da tecnologia aplicados à sétima arte, provocando alegria, suspense e terror, de forma muito mais intensa do que nas décadas anteriores.

Daí para frente, o cinema só evoluiu, haja vista, as premiações anuais do Oscar, que podem ser pesquisadas pela Internet desde o seu início, em 1927. Até a década de 1990, o filme que mais havia ganhado Oscar era “Ben-Hur”, com 11 estatuetas. Só então veio o filme “Titanic”, que obteve igual número. Mais recentemente, "O Senhor dos Anéis: O Retorno do Rei", que faz parte da trilogia de "O Senhor dos Anéis", de J. R. R. Tolkien, também conquistou 11 estatuetas douradas.

A verdade é que, ao se tornar pública, muitas vezes a obra de um artista toma um rumo totalmente diferente do esperado. Isso vale, por exemplo, para o invento dos irmãos Lumière, o cinematógrafo, projetado inicialmente com objetivo científico.

Daquela época até o filme “Jurassic Park”, quase um século se passou e o cinema várias vezes foi modificado. Mas os sonhos, a ação, o mundo do faz de conta e a magia da ilusão continuaram intactos.   

Fonte: Agência Estado de 1995.

Domingo Glenir Santarnecchi
É jornalista, advogado, escritor, autor do livro São Caetano Di Thiene – o Santo que deu nome à cidade e membro da Academia de Letras da Grande São Paulo.

segunda-feira, 28 de setembro de 2015

Um pedido de ajuda

O texto abaixo foi escrito por João Alberto Tessarini, atelierista da Fundação Pró-Memória de São Caetano do Sul, que, numa tarde, estava recepcionando o público que visitava a exposição Um lugar, uma história - A Cerâmica São Caetano, promovida pela Pró-Memória, até o dia 30 de setembro, no Espaço do Forno, próximo ao ParkShopping São Caetano.

Se você sabe quem é a pessoa da foto, ou tem alguma pista de quem poderia ser, ou mesmo acha que tudo não passou de um sonho, da imaginação de Tessarini, deixe seu palpite nos comentários!

Um pedido de ajuda


Bom dia, gente! Um pedido de ajuda: você sabe quem é e onde mora o homem da foto? Qualquer informação será bem-vinda. Nosso encontro foi rápido, dentro do último forno intermitente usado para fabricação de cerâmica e que hoje abriga uma exposição com fotos, textos e depoimentos de ex-funcionários sobre uma história marcante para milhares de famílias.

Tudo indica que ele conhecia muito bem o local onde estávamos. A maneira carinhosa com que tocava a pátina natural que cobre os tijolos e ferragens era de alguém muito próximo de tudo aquilo. Sua única frase, com voz grave, gutural, foi: “Continua muito especial”. Posso dizer que existia no seu olhar uma nostalgia, talvez de fatos onde ele tenha sido o protagonista.

Foram segundos - enquanto ele olhava o teto abobadado, pintado de preto, fui receber o casal que chegava para uma visita e indiquei o início da exposição, quando me virei na direção do visitante, com a sua touca rota, ele havia sumido. Fui até a porta e nada, ninguém na rampa ou na calçada que fica em um patamar mais alto. Conversei com o casal, completamos a visita, eles saíram.

Peguei papel e lápis e comecei a desenhar a criatura que virou vento. Eu sentia uma necessidade muito grande, sem explicação, de registrar a fisionomia daquela figura. Pena, poderia ter feito uma foto, não fiz. Seu rosto estava muito forte na minha mente, mas eu não estava satisfeito com o desenho, eu precisa de mais. Lembrei que talvez tivesse massa de modelar no automóvel estacionado a uns 20 ou 30 metros do forno. Corri até lá e olhei atrás do banco do motorista: maravilha, o pote com a massa salvadora estava ali a minha disposição. Peguei aquilo com o cuidado merecido de tesouro que é, voltei e modelei rapidamente, durante uns 10 ou 15 minutos, fazendo uso da tampa da caneta como ferramenta para buscar a expressão marcante.

Modelar o rosto de alguém é como tocar o rosto da pessoa em questão, experiência de imersão total – e, naquela situação, tudo dentro do forno com seu jeitão medieval conspirava para o êxito do trabalho, até a meia luz difusa e aconchegante do forno que sempre me abraça redondo. Você conhece esse homem? Sonhei? Faça contato!

O último dos fornos da Cerâmica São Caetano fica no Espaço Cerâmica, ao lado do ParkShopping São Caetano. Visite a exposição Um lugar, uma história – A Cerâmica São Caetano, promovida pela Fundação Pró-Memória São Caetano, aberta de terça a sábado, das 14h às 17h. Sempre terá alguém lá para te receber.
Abraços,
João Alberto Tessarini

sexta-feira, 20 de março de 2015

Andanças pela última morada

Mais uma vez, com muita habilidade, a historiadora e pesquisadora da Fundação Pró-Memória Priscila Gorzoni nos encanta com seus textos sobre aspectos de São Caetano do Sul, seja da vida dos moradores seja da cidade, que nos passam despercebidos diante dos olhos apressados do cotidiano.

Desejamos a todos boa leitura!

Andanças pela última morada

Percorrer os cemitérios das cidades é, sem dúvida, uma das formas de conhecer a alma, pensamento, visão de vida e histórias de uma comunidade. É nos mortos que os vivos refletem o que pensam e como desejam ser vistos. É nos cemitérios das cidades que encontramos alguns personagens marcantes, enigmáticos e históricos. Representantes de um tempo que ficou para trás, mas que ainda deixa ecos no mundo dos vivos.

O nascimento e a morte são as duas mudanças fundamentais que ocorrem com o ser humano. Depois da morte, o corpo é objeto de vários rituais, que acompanham as representações que cada indivíduo tem em vida. Duas atitudes opostas se destacam no rituais fúnebres: o aniquilamento total do corpo ou sua conservação a qualquer preço.

Em todas as culturas, a comunicação entre os dois mundos é mantida por meio dos recursos materiais, como tumbas, efígies, estátuas, retratos, cemitérios, caixões, entre outros. Essas formas de se comunicar também variam de uma comunidade para outra. Por isso, uma das maneiras de entender como os nossos ancestrais concebiam o mundo é descobrir como tratavam seus mortos.

Foi para compreender um pouco mais a mentalidade dos antigos moradores de São Caetano que, em uma manhã comum de inverno, parti para o Cemitério São Caetano, conhecido como Cemitério Santa Paula, o primeiro da cidade.

Quem chega a esse local vê ao longe os túmulos suntuosos, grandiosos e belos. Lá estão enterrados personagens famosos da cidade, como Ângelo Raphael Pellegrino, Hermógenes Walter Braido, Oswaldo Samuel Massei, Anacleto Campanella, João Dal´Mas e o curandeiro Vicente. 

Antes do Cemitério São Caetano, os moradores passavam momentos de angústias para enterrar seus mortos. Nos primeiros tempos, os corpos eram jogados em valas pelas estradas. Depois, passaram a ser enterrados em São Paulo e, posteriormente, em São Bernardo do Campo.

Com esse problema em vista, foi sugerida a construção de um cemitério na cidade e assinada uma lei, em 1911, que abria crédito extraordinário para essa finalidade. A vontade da população foi ouvida e o cemitério se tornou realidade.

O terreno usado para a construção foi doado pela família Garcia, que aceitou fazer a doação já que possuía muitas terras no bairro. Era uma área tipicamente rural, situada ao lado da estrada que seguia de São Caetano para a Estação de São Bernardo (hoje Santo André).

Foi com a construção do Cemitério São Caetano que a paisagem da cidade começou a mudar, de rural ganhou ares mais urbanos. Em torno do cemitério, surgiram várias casas, bares e armazéns.

O ritual da morte dos primeiros moradores de São Caetano era bem diferente do atual. O falecimento de uma pessoa era, em poucas horas, do conhecimento de quase toda a população. E a preparação do defunto era feita pelos próprios familiares.

No local do velório, realizado na casa da família do morto, eram colocadas faixas pretas nas janelas e portas para noticiar o falecimento. O transporte do defunto para o cemitério era organizado: caminhava-se em filas de par, meninos e meninas carregavam ramalhetes de flores que eram oferecidos aos demais. Os caixões eram todos do mesmo formato, retangular, sem detalhes e modestamente forrados. Os dos homens eram de cor preta, com aplicações de galões dourados.

Durante o luto, a sociedade não via com bons olhos a presença dos enlutados em bailes, festas, cinemas ou qualquer divertimento, mesmo em celebrações familiares, por considerar aquela atitude um desrespeito ao falecido.

Referências bibliográficas:

Do velório ao sepultamento, de Henry Veronese (Revista Raízes 13).
História e arte no cemitério da Consolação, de José de Souza Martins.
Nostalgia, de Manoel Cláudio Novaes, Editora Meca.

sexta-feira, 6 de março de 2015

Bravas mulheres

A fim de homenagear as mulheres de São Caetano do Sul, que muito contribuem e contribuíram para a formação do município, a Fundação Pró-Memória publica este texto da historiadora e pesquisadora Priscila Gorzoni, ao relembrar as primeiras mulheres que ocuparam esse território.

Boa leitura!

Bravas mulheres

“Eu não tinha este rosto de hoje,
assim calmo, assim triste, assim magro,
nem esses olhos tão vazios,
nem o lábio amargo.
Eu não tinha essas mãos sem força,
Tão paradas e frias e mortas;
Eu não tinha esse coração
Que nem se mostra.
Eu não dei por essa mudança,
Tão simples, tão certa, tão fácil:
- Em que espelho ficou perdida a minha face?”
  
(Cecília Meireles, em Flor de Poemas)

Quando chegaram a São Caetano do Sul, as mulheres não contavam com tantas oportunidades como as de hoje. A vida não foi nada fácil para as antigas sul-são-caetanenses, muitas vezes excluídas dos relatos históricos. Mas parte do que a cidade se tornou devemos a elas.
As primeiras mulheres dessa terra eram índias, provavelmente pertencentes a grande família dos Tupi-guaranis, que ocupava, em 1590, toda a costa brasileira, desde o Nordeste até o Sul. São Caetano do Sul ainda não existia e essa região era conhecida como Tijucuçu.
O pouco que sabemos sobre essas índias era que tinham as atribuições bem definidas, como tecer balaios e redes, produzir utensílios domésticos, cuidar dos filhos e plantar mandioca para a alimentação.

AS ITALIANAS - Por volta de 1877, começaram a chegar os primeiros imigrantes italianos, em sua maioria vindos do Vêneto. Foi a partir desse grupo que surgiu o primeiro Núcleo Colonial da então Fazenda São Caetano. Muitas mulheres compunham esse grupo e aqui cozinhavam, costuravam e lavavam as roupas.
Nada foi fácil para elas nesse começo. Não havia conforto, médicos, transporte, tratamento de água e esgoto, e nem mesmo cemitérios. Relatos sobre essas primeiras sul-são-caetanenses demonstram que o sofrimento não era só com a falta de conforto, mas com o clima e os insetos.
Às mulheres cabiam as atividades domésticas, as costura, rezas, lavagens de roupas nos rios da cidade e, mais tarde, com as olarias, um emprego. Eram nessas olarias que elas faziam dupla jornada.
 Entre vários relatos, destaca-se o de Vergilio Ferrari, que descreve a rotina de sua mãe, obrigada a se sentar sobre montes de tijolos, em frente ao barro, para amamentar os filhos.
Nesses anos de 1890, as mulheres que haviam ficado viúvas também não tinham o direito de assumir a família e, por isso, muitas vezes, perdiam a herança do marido. Sozinha, elas voltavam a ser encaradas como menores de idade, que dependiam de outros para ter os seus direitos respeitados.
Algumas conseguiam superar tantas dificuldades. É o caso de Ângela Garbelotto, que continuou tocando a pequena olaria deixada pelo marido. Outra foi Ana Martorelli que, com a morte do marido, trocou alguns terrenos por uma vaca e nela fez fortuna. Nesses primeiro tempos, a mortalidade era grande, registrava-se um falecimento a cada três dias devido à diarreia, reumatismo e outros problemas. Essas mazelas tornavam a presença feminina ainda mais necessárias na sociedade, pois muitas conheciam ervas e remédios caseiros.
Durante muito tempo, o espaço feminino ficou restrito à casa e aos rios que circulavam a região. Algumas personalidades conseguiam fugir à regra desempenhando atividades informais e nos comércios locais, como Marina Giacomini, também conhecida como “A Carbonara”. Ela tinha um sítio, atrás de uma fábrica de formicida, de onde tirava madeira e vendia em São Paulo. Outra que ficou registrada na história foi Assumpta Sestari, dona de um armazém na década de 1910.
No entanto, a maioria das mulheres desempenhava suas funções e trocava informações em espaços privados. Ao homem, cabia o espaço público, onde se fazia política e negócios.

FORA DE CASA - A partir do final do século 19, essa distinção torna-se turbulenta. Essa situação fica patente na significativa participação feminina nas indústrias da época.
Segundo o sociólogo José de Souza Martins, em 1910, não havia mulheres entre os operários da Fábrica de Formicida Paulista. Isso começa a mudar a partir de 1918. A Matarazzo computava 312 empregados e, entre eles, havia 38 mulheres. Elas faziam parte, em sua maioria, das fábricas de tecelagem e indústrias têxteis, tanto que, em 1912, dos 1.775 operários existentes em sete estabelecimentos fabris, 1.340 eram mulheres, de acordo com dados obtidos pelo Departamento Estadual do Trabalho.
Segundo Martins, foi por meio da fábrica que as mulheres de São Caetano romperam o espaço privado e conquistaram o público. Na política, apenas a partir de 1948, com o movimento autonomista da cidade, começam a aparecer os primeiros nomes femininos, como os de Itália Fiorotti e Olga Montanari.

Referências bibliográficas:

Cotidiano e História em São Caetano do Sul: Adriana M. C. Ramos e Mônica de Souza, Editora Hucitec, Prefeitura de São Caetano do Sul.

As Outras Vozes: Memórias femininas em São Caetano do Sul, Editora Hucitec.

Além dos Fragmentos: o feminismo e a construção do socialismo, Hilary Waiwright, Editora brasiliense, SP.

quinta-feira, 12 de fevereiro de 2015

Uma capela perdida no tempo

O primeiro post de 2015 pretende trazer um lugar inusitado e até pouco conhecido dos moradores de São Caetano: a Capela Santo Antonio. Neste texto, escrito pela historiadora e pesquisadora da Fundação Pró-Memória Priscila Gorzoni, saiba onde ela se localiza e conheça a sua história.

Boa leitura!



Uma capela perdida no tempo

Quem caminha tranquilamente pela Avenida Senador Roberto Simonsen, em direção à Avenida Goiás, se surpreende ao cruzar com uma rua chamada Constituição. Bem no meio dela, nos deparamos com uma pequena capela azul, tímida e misteriosa, a Capela Santo Antonio, localizada no bairro de mesmo nome.

Apesar de pequeno e escondido, este é um local interessante. As paredes são de azulejos bem azuis, o que faz um belo contraste com os portões brancos. Apesar da simplicidade, ela se destaca das casas em sua volta. É uma construção que ficou no tempo, na história de São Caetano do Sul. Como uma foto em preto e branco que fala por si só...

A ‘verdadeira’ Capela Santo Antonio foi construída em 1924 por Ricardo Mariani Molinaro, e ficava na antiga Rua Santo Antônio, atual Avenida Senador Roberto Simonsen. Ela foi demolida e reconstruída em 1960, no atual endereço.

Esse é sem dúvida um dos pontos mais interessantes e importantes para se visitar na cidade. Assim como a Santo Antônio, em todo o Grande ABC surgiram várias capelas em devoção a diversos santos, mas ele parece ter sido o privilegiado. Os antigos moradores explicam essa predileção de uma maneira inusitada. Diziam que as famílias assentadas no Núcleo Colonial confundiram, em principio, a imagem de São Caetano, existente na primitiva capela local, com a de Santo Antônio, porque eram muito semelhantes e ambas carregavam o Menino Jesus nos braços.

A Capela Santo Antonio foi construída pela família de João Molinari em retribuição a um milagre. Contam que no verão de 1919 desabou um temporal em São Caetano e a família colocou-se a rezar em torno do oratório que guardava um Santo Antônio trazido de Modena, na Itália, em 1885. Nesse momento, uma faísca afetou o telhado e atingiu o oratório, sem causar danos maiores, deixando a imagem do santo ilesa e, inclusive, mantendo as suas velas acessas.

Assustados com o milagre, a família construiu uma capelinha e sobre a porta de ferro colocou uma placa de mármore com os seguintes dizeres: “Capela Sant Antonio, Ricordo di Mariana Molinari - 1924”. O local continua preservado e até hoje abriga a imagem centenária.

Curiosidade - Os Molinari vieram da Itália para São Paulo e, em 1894, mudaram-se para São Caetano, onde passaram a morar no Bairro Cerâmica. A primeira atividade dos Molinari foi cultivar a terra para construir sua casa de madeira roliça e portas improvisadas de caixões, na Rua Projetada, que depois ganhou o nome de Santo Antônio, em função da Capela Santo Antônio. Os primeiros Molinari eram Giovanni Molinari e sua mulher, Mariana Nery Molinari.

Aqui, eles foram recebidos pelos Cavana, que viviam em uma colônia, então localizada no cruzamento da Avenida Senador Roberto Simonsen com a Rua Baraldi. Os Molinari e os Cavana tornaram-se grandes amigos e seus filhos até se casaram. Nos negócios, se fixaram no Bairro Cerâmica e abriram uma fábrica de colchão chamada Giovanni Molinari & Figli.  

Outra atividade que a família desenvolveu foi o beneficiamento de caulim. O produto era extraído na Vila Nossa Senhora das Mercês. Eles arrendavam as terras, venciam a mata virgem, andavam de carros de boi até chegar à cava. Carroças e carroções retornavam com caulim até a Estação São Caetano, de onde o produto era enviado aos compradores.

Referências bibliográficas:
Antônio, santo dos italianos, dos portugueses... e de todo mundo, Valdenízio Petrolli, Revista Raízes 13.
Era uma vez... (crônica de uma época), Jayme da Costa Patrão, Revista Raízes 4.
Migração e Urbanização: a presença de São Caetano na região do ABC, Ademir Medici.

segunda-feira, 8 de dezembro de 2014

A árvore da amizade

Você sabia que em São Caetano existe uma Árvore da Amizade? Sabe onde ela se localiza? Então descubra estas e outras informações neste post, escrito por Priscila Gorzoni, historiadora e pesquisadora da Fundação Pró-Memória.

A árvore da amizade

Priscila Gorzoni

Quem desce do ônibus no ponto central da Avenida Goiás, em frente à Praça dos Arcos (que tem o nome oficial de Praça Prefeito Luis Olinto Tortorello), não imagina que bem atrás da banca de flores existe uma árvore muito famosa chamada Árvore da Amizade.

Outro dia, passei próxima dela e, embora escondida e com pó sobre a placa, chama a atenção. A Árvore da Amizade é uma das mais antigas e que melhor simboliza São Caetano do Sul. Ela foi plantada em 1930, durante a visita de Paul Harris, fundador do Rotary Club International, ao município. A árvore é uma das mudas da árvore original da amizade.

Essa história começou quando o engenheiro Armando Arruda Pereira convidou Paul Harris para visitar sua casa, no Bairro da Fundação, em 1905. Ao receber a visita de Harris e sua esposa, Jean, Arruda ficou tão feliz que quis marcar o encontro com o plantio de um cedro em seu quintal como símbolo de sua amizade rotária. Nessa ocasião, Arruda disse: “Dentro de poucos anos, toda esta região terá um grande desenvolvimento e então chegará a hora de plantarmos muitos Rotarys por aqui”.

Plantar árvores por onde passava era um costume de Harris, tanto que antes do citado cedro, ele já havia plantado outras mudas no Brasil. Na mesma visita, havia plantado um ipê amarelo na Praça da República, em São Paulo.

Bem mais tarde, em 1955, durante uma reunião do Inter-Clubes, que contou com a presença de Manuel Gutierrez Duran, a tradicional Árvore da Amizade foi transferida para o Jardim Primeiro de Maio, antigo Paço Municipal, hoje conhecida como Praça Prefeito Luis Olinto Tortorello, onde também foi colocada uma placa de bronze, que tinha os principais dizeres: “Árvore da Amizade (cedro) plantada em 1936, por Paul P. Harris, na residência do companheiro Armando Arruda Pereira e replantada em 6 de fevereiro de 1955 pelo Rotary Club de São Caetano do Sul”.

Mas esta árvore não foi a única a marcar a história de São Caetano. Uma figueira se tornou emblema do Bairro Nova Gerty. Ela sobrevive ao tempo e se mantém imponente entre as ruas Visconde de Inhaúma, Itu e Nelly Pelegrino. O encontro dessas três vias se tornou conhecido como o Largo da Figueira. É difícil precisar o nascimento da figueira, estima-se que tenha ocorrido antes da chegada do farmacêutico Abrahão Leite Brito ao bairro, em setembro de 1948. (1)

E por falar em árvore que tal também citar a que serviu de base para a estátua de São Pedro, exposta em frente à USCS (Universidade Municipal de São Caetano do Sul), em 1975! Mas este assunto daria um post inteiro, então essa história fica para uma próxima...

Referência bibliográfica:“A árvore da amizade. A presença de Paul Harris em São Caetano do Sul”, de Jayme da Costa Patrão, Revista Raízes 15.
(1)   Migração e Urbanização: a presença de São Caetano na região do ABC, Ademir Medici PP 464.

quinta-feira, 30 de outubro de 2014

O misterioso curandeiro Vicente

Você já ouviu falar de Vicente, o curandeiro? De seus benzimento e curas? Teve familiares que vieram atrás dele? Então conheça a história desse homem, famoso personagem de São Caetano do Sul. O texto foi escrito por Priscila Gorzoni, pesquisadora e historiadora da Fundação Pró-Memória.

O misterioso curandeiro Vicente

Inaugurado em 1911, o Cemitério São Caetano não é só famoso por ser o primeiro da cidade. O local também é conhecido por ter, entre os seus falecidos, uma das figuras mais enigmáticas da história do município: Vicente, o curandeiro.

Esse famoso personagem era tão conhecido que, ainda hoje, é lembrado pelas romarias de doentes que vinham em busca de milagres e graças. Vicente alcançou o título de curandeiro por ter sido um dos maiores benzedores da região. Sua fama rompia distâncias, dificuldades e crenças, e o seu túmulo, ainda hoje, é um dos mais visitados do cemitério.

Demorou um pouco para eu encontrar a sua sepultura. O cemitério, embora pequeno, é repleto de criptas suntuosas e capelas esculturais. A de Vicente é baixa e simples. Está na parte de cima do sepulcrário, meio esquecido, sujo das folhas das árvores e do pó do tempo. Em meio a esse cenário, vejo a foto do curandeiro. A imagem retrata um homem de chapéu, barbas longas, olhar penetrante e semblante misterioso. Imagino a reação das pessoas ao se depararem com ele.

Contam que Vicente tinha um estilo peculiar de benzer. Ele recebia os doentes na porta de casa, com um caderno nas mãos, no qual anotava os nomes das pessoas e, em frente a eles, marcava uma cruz. Depois disso, Vicente dizia ao visitante que iria colocar seu nome nas luzes e pedia para que ela voltasse daqui a alguns dias. Nada era cobrado por suas curas.

Vicente não gostava que fizessem brincadeiras com os seus benzimentos. Um dia, veio a sua capela dois rapazes que moravam no Bairro do Ipiranga, na capital paulista. Um deles esfregou as mãos na boca, dizendo que sentia dor de dente. Vicente logo percebeu a mentira e disse: “Você veio me debochar. Então, vai ficar com dor de dente mesmo”. Imediatamente, o rapaz jogou-se no chão, com dores terríveis.

A segunda-feira era o dia de maior movimento, porque Vicente não atendia aos domingos. Antes de receber os visitantes, distribuía fichas e atendia rapidamente a cada um, colocando a mão no ombro das pessoas e indicando que passassem adiante. Outra curiosidade de Vicente era atender com a mão direita para cima. Perguntava o nome da pessoa e dizia as perturbações espirituais e as moléstias dos indivíduos. Por fim, recomendava novena.

Vicente morava no Bairro Santa Maria e faleceu em 1925. Por causa dele se criou uma estrada, onde milhares de pessoas passavam, só para conseguir uma cura. Enquanto olho sua foto, fico imaginando como seria receber seus benzimentos. Tenho uma base deles em relatos escritos por Ademir Medici, em seu livro Migração e Urbanização. O jornalista conta um dos casos, o de Caetana Palmiro, que, em 1920, com 2 anos de idade, não conseguia andar. Assim, seus pais resolveram levá-la a Vicente. O curandeiro tirou das mãos um anel de pedra preta e passou em Caetana. Depois, ordenou que a criança fosse levada ao pátio de sua casa, onde começou a andar.

O curandeiro não nasceu em São Caetano, veio com a família de Santo Amaro, entre 1906 e 1909. Era casado com Maria Joaquina de Jesus Vaz Rodrigues Vieira, que, na data do falecimento do marido, tinha 44 anos.

Os romeiros que vinham de longe tinham que ter paciência, pois chegar à casa de Vicente não era tarefa fácil. O casarão do benzedor estava localizado na parte alta do Bairro da Saúde (atual Santa Maria). Eles desembarcavam na estação ferroviária, caminhavam até o centro e entravam na Rua João Pessoa, conhecida na época como Virgilio Rezende. Então, ganhavam a Rua Goiás, que era chamada de Formicida, atingiam a Alameda São Caetano até que, no final da Rua Cassaquera, onde atualmente se encontra a Praça Francisco Pires, ficava a capela de Vicente.

Sua casa era uma fazenda, que tinha uma capela particular junto ao terreiro, toda decorada em tons dourados, pintada com figuras de anjos e santos. No altar de sua casa de orações, existia um Cristo crucificado e a imagem de São Pedro, cujo aniversário, em 29 de junho, era comemorado com festa.

Referência bibliográfica:
MÉDICI, Ademir: Migração e Urbanização: Presença de São Caetano do Sul na região do ABC, Editora Hucitec, São Caetano do Sul, 1993.